HTPC



Projetos da escola

Reunião




HTPC - 02.10.2015


EMEB Professora Janete Mally Betti Simões 
HTPC- 16/09/2014


Formação 










































A arte de produzir fome
Rubem Alves                                     
Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: "Não quero faca nem queijo; quero é fome". O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome é inútil ter queijo. Mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo...
Sugeri, faz muitos anos, que, para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. Foi na cozinha que a Babette e a Tita realizaram suas feitiçarias... Se vocês, por acaso, ainda não as conhecem, tratem de conhecê-las: a Babette, no filme "A Festa de Babette", e a Tita, em "Como Água para Chocolate". Babette e Tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não começam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome...
Quando vivi nos Estados Unidos, minha família e eu visitávamos, vez por outra, uma parenta distante, nascida na Alemanha. Seus hábitos germânicos eram rígidos e implacáveis.
Não admitia que uma criança se recusasse a comer a comida que era servida. Meus dois filhos, meninos, movidos pelo medo, comiam em silêncio. Mas eu me lembro de uma vez em que, voltando para casa, foi preciso parar o carro para que vomitassem. Sem fome, o corpo se recusa a comer. Forçado, ele vomita.
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim "affetare", quer dizer "ir atrás". É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado.
Eu era menino. Ao lado da pequena casa onde morava, havia uma casa com um pomar enorme que eu devorava com os olhos, olhando sobre o muro. Pois aconteceu que uma árvore cujos galhos chegavam a dois metros do muro se cobriu de frutinhas que eu não conhecia.
Eram pequenas, redondas, vermelhas, brilhantes. A simples visão daquelas frutinhas vermelhas provocou o meu desejo. Eu queria comê-las.
E foi então que, provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar se pôs a funcionar. Anote isso: o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo.
Se eu não tivesse visto e desejado as ditas frutinhas, minha máquina de pensar teria permanecido parada. Imagine se a vizinha, ao ver os meus olhos desejantes sobre o muro, com dó de mim, tivesse me dado um punhado das ditas frutinhas, as pitangas. Nesse caso, também minha máquina de pensar não teria funcionado. Meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem que eu tivesse tido necessidade de pensar. Anote isso também: se o desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa. Assim, realizando-se o desejo, o pensamento não acontece. A maneira mais fácil de abortar o pensamento é realizando o desejo. Esse é o pecado de muitos pais e professores que ensinam as respostas antes que tivesse havido perguntas.
Provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar me fez uma primeira sugestão, criminosa. "Pule o muro à noite e roube as pitangas." Furto, fruto, tão próximos... Sim, de fato era uma solução racional. O furto me levaria ao fruto desejado. Mas havia um senão: o medo. E se eu fosse pilhado no momento do meu furto? Assim, rejeitei o pensamento criminoso, pelo seu perigo.
Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução: "Construa uma maquineta de roubar pitangas". McLuhan nos ensinou que todos os meios técnicos são extensões do corpo. Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas.
Uma maquineta de roubar pitangas teria de ser uma extensão do braço. Um braço comprido, com cerca de dois metros. Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu, sem uma mão, seria inútil: as pitangas cairiam.
Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E lhe fiz um dente, que funcionasse como um dedo que segura a fruta. Feita a minha máquina, apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz meu desejo. Anote isso também: conhecimentos são extensões do corpo para a realização do desejo.
Imagine agora se eu, mudando-me para um apartamento no Rio de Janeiro, tivesse a idéia de ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas de roubar pitangas. Ele me olharia com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio, não havia pitangas para serem roubadas. A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. E anote isso também: conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca será servido.
Dizia Miguel de Unamuno: "Saber por saber: isso é inumano..." A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome... Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo, ele acabará por fazer uma maquineta de roubá-los. Toda tese acadêmica deveria ser isso: uma maquineta de roubar o objeto que se deseja...




Assembleia escolares











Preferências de aprendizagem: enriquecendo o aprender na escola
Lia Cristina Barata Cavellucci
José Armando Valente
INTRODUÇÃO
Não é novidade que os alunos não são iguais, não aprendem da mesma maneira e não fazem as coisas segundo um mesmo padrão. No entanto, a escola insiste em tratar uma sala de aula como sendo uniforme, assumindo que todos assimilam a informação do mesmo modo. O quanto realmente os alunos diferem em termos da capacidade de aprender ou em termos de assimilação de informações só fica evidente no cômputo das tarefas realizadas, em termos de notas nas provas ou nas tarefas. Porém, essas diferenças são muito mais complexas e com implicações mais profundas do que as diferenças nas notas no final do semestre.
Um estudo realizado em uma classe de alunos de 11 anos de idade mostrou que cada um dos alunos possuía um estilo cognitivo totalmente diferente dos demais colegas. Nesse estudo foi usada a escala de Riding e Cheema (1991), permitindo classificar os alunos em termos de dois continuum: no eixo horizontal, holistico-análitico, e no vertical, imagético-verbal. Um dos alunos se encontrava no extremo holístico da dimensão holistico-análitico e no extremo imagético da dimensão imagético-verbal, portanto claramente holista-imagético. Outro aluno era fortemente analítico-verbal (Vincent, 2003).
O primeiro fato revelador foi o professor descobrir que em sua classe existia esta disparidade de estilos de aprendizagem. A segunda foi constatar o quão importante foi adequar a tarefa ao estilo do aluno. O aluno claramente holista-
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imagético tinha muita dificuldade para se expressar oralmente e nunca escreveu mais do que algumas palavras.
Porém quando usou programas de computadores com capacidade gráfica e de animação ele pode manipular palavras de forma visual, facilitando e incrementando a sua fluência da escrita (Vincent, 2003).
Além da adequação das tarefas, o conhecimento sobre os estilos de aprendizagem pode ser útil para ajudar o aluno a tornar-se um aprendiz mais eficiente, na constituição de grupos de trabalho, na interação professor-aluno ou mesmo na interação entre alunos. Estes conhecimentos são amplamente difundidos e usados pelas empresas. Tem sido comum
empresas utilizarem testes, como por exemplo, o MBTI Myers–Briggs Type Indicator (Myers & Briggs, 2002), um instrumento indicador do “tipo psicológico”, baseado na tipologia dos arquétipos de Carl Jung, no momento da contratação de novos colaboradores e também para montagem de equipes cujos componentes tenham diferentes características. O argumento para isto é que se em uma empresa todos são “pensadores”, certamente não haverá muita produção, se todos são “produtores”, a empresa corre sérios riscos já que não existe quem pense no seu futuro. Embora esta questão de estilos seja relativamente bem conhecida na literatura e usada pelo mercado de trabalho, ela é pouco difundida entre os educadores. Na escola, como foi dito, ainda se assume que todos são iguais. Assim, o objetivo deste artigo é discutir os conceitos relativos à questão de preferências de aprendizagem utilizadas pelas pessoas e discutir como a escola pode enriquecer ainda mais os novos ambientes de aprendizagem, contribuindo para a melhoria da qualidade da educação.
ESTILOS E PREFERÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
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Richard M. Felder (2002) chama de estilos de aprendizagem uma preferência característica e dominante na forma como as pessoas recebem e processam informações, considerando os estilos como habilidades passíveis de serem desenvolvidas. Afirma que alguns aprendizes tendem a focalizar mais fatos, dados e algoritmos enquanto outros se sentem mais confortáveis com teorias e modelos matemáticos. Alguns também podem responder preferencialmente a informações visuais, como figuras, diagramas e esquemas, enquanto outros conseguem mais a partir de informações verbais – explanações orais ou escritas. Uns preferem aprender ativa e interativamente, outros já tem uma abordagem mais introspectiva e individual. Ele define quatro dimensões de estilos de aprendizagem: Ativo – Reflexivo, Racional – Intuitivo, Visual – Verbal e Seqüencial – Global.
Uma postura menos cognitivista procura não só caracterizar o estilo da pessoa, mas o conteúdo e o contexto que estão sendo trabalhados (Moreno, Sastre, Bovet & Leal, 2000). Estas autoras argumentam que cada indivíduo constrói modelos da realidade que servem para orientar e conhecer o mundo ao seu redor. Elas mostram que “cada indivíduo seleciona e organiza uma série de dados, a partir dos quais constrói o que denominamos de modelo organizador. As diferenças que apresentam as interpretações que diversos indivíduos dão a um mesmo fenômeno vão informar-nos sobre as características diferenciais de seus respectivos modelos” (Moreno, Sastre, Bovet & Leal, 2000, p. 78).
O modelo organizador é construído a partir de percepções, ações e inferências, bem como do conhecimento prévio que o sujeito tem da situação, e resultam em um sistema de relações que podem ser ou não de caráter operatório, com coerência interna que produz no sujeito a idéia de representação do mundo real. Neste sentido, para a elaboração dos modelos organizadores, podem não ser considerados da situação ou fenômeno todos os elementos possíveis, mas somente aqueles a que o sujeito, por diferentes motivos, atribui significado. Algumas vezes são incorporados dados não existentes na realidade, frutos de
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inferências, nem sempre adequadas, feitas a partir da falta de algum dado considerado
necessário pelo sujeito. Estes dados passam a fazer parte do modelo em condição de igualdade com aqueles tirados da realidade, da mesma forma que dados importantes da realidade podem perfeitamente ser negligenciados, comprometendo o modelo.
Afirmam também que, mesmo essa seleção não sendo necessariamente a melhor para a compreensão da situação, os modelos organizadores são sistemas dinâmicos de representação da realidade e evoluem com o desenvolvimento cognitivo do sujeito, sendo constantemente revisados para atender suas novas exigências.
A representação da realidade como processo individual, em constante modificação e construção, pode ser mais especificamente aplicada às abordagens individuais de aprendizagem, que ao nosso ver também têm este caráter dinâmico dos modelos organizadores de Moreno, Sastre, Bovet e Leal (2000). Ela nos parece mais interessante do que a visão cognitivista que entende esta abordagem individual como sendo um aspecto relativamente fixo da pessoa e definido logo nos primeiros anos de sua vida; uma marca definitiva.
Juntando as idéias de estilo de aprendizagem e de modelos organizadores podemos pensar que as pessoas possuem um conjunto de preferências que determinam uma abordagem individual para aprender, o qual denominamos preferências de aprendizagem. Porém, não necessariamente as preferências manifestas são as mesmas em todas as situações, independentemente do conteúdo e da experiência do aprendiz. Tampouco o acompanham ao longo de toda a sua vida, como uma marca definitiva, conforme afirmam Riding e Rayner (1998). Essas preferências de aprendizagem podem ir mudando, na medida em
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que adquirimos habilidades e desenvolvemos estratégias para lidar com diferentes situações de aprendizagem na escola e na vida.
Para lidar com as diversas formas nas quais as informações são apresentadas e as situações de aprendizagem são organizadas, desenvolvemos estratégias de aprendizagem. Elas têm a função de contornar dificuldades, amenizando possíveis incompatibilidades entre as situações de aprendizagem e as preferências individuais, visando a potencialização da aprendizagem. Isto quer dizer que, quanto mais estratégias o aprendiz tiver desenvolvido, maior será sua chance de lidar com as diferentes formas de apresentação das informações e organização das situações de aprendizagem vivenciadas por ele.
PREFERÊNCIAS DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA
Na escola e, principalmente, na sala de aula devemos levar em consideração que estão em jogo as preferências tanto do professor quanto dos alunos. Quando o professor prepara uma aula, decide pela forma como as informações serão apresentadas e como um determinado tema será organizado e encaminhado. E isso o professor faz baseado nas suas próprias preferências, que certamente não serão as mesmas de todos os seus alunos. Para tanto, é importante que o professor conheça seus próprios processos e preferências de aprendizagem, para poder criar uma melhor adequação entre o que irá propor em aula e a abordagem de cada aluno.
Não queremos, entretanto, afirmar que seja necessário o professor ou o sistema educacional testar as preferências de cada aluno. Ao contrário, queremos evitar os rótulos advindos de tais testes e propor situações nas quais professor e aluno, atentos a estas concepções discutidas neste artigo, possam observar as preferências de aprendizagem
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expressas nas ações, na forma como lidam com as informações, comunicam-se, organizam-se em grupos ou realizam atividades.
Porém, como o professor pode conhecer as preferências de seus alunos? Trata-se de uma espiral crescente de conhecimento (Valente, 2002), onde o professor conhecendo-se pode ajudar o aluno a conhecer sua preferência que, por sua vez vai contribuir para que o professor fique mais consciente das suas próprias preferências de aprendizagem e dos alunos. Esta espiral pode iniciar com o professor conhecendo suas próprias preferências de aprendizagem e a forma como elas se explicitam nas suas aulas, diversificando a forma como apresenta (verbal escrita ou falada, imagens estáticas ou dinâmicas, mapas, esquemas etc.) e organiza (analítica ou sinteticamente) as informações e as propostas de atividades (individuais ou em grupos), observando em quais situações cada aluno se envolve mais, se sente mais à vontade. Ele pode também trocar idéias com os alunos sobre as suas preferências e isto significa conhecer como cada aluno registra e recupera informações, como ele se comunica verbalmente e por escrito (utiliza textos, tópicos, imagens ou esquemas? É preferencialmente sintético ou analítico? É prolixo ou direto?), como se posiciona em atividades em grupo, como se organiza em um trabalho individual.
Com isto, o professor vai conhecendo seu aluno e ajudando-o a tornar-se consciente das suas preferências de aprendizagem. A idéia é que o próprio aluno, ao longo da sua vida na escola (e fora dela) possa ir certificando-se de como aprende e desenvolvendo habilidades e estratégias que o tornem um aprendiz mais eficiente nos diferentes ambientes de aprendizagem que encontrar. À medida que ele vai se conhecendo ele pode ir adequando suas preferências de aprendizagem às atividades que realiza e vice-versa.
A abordagem com base nos modelos organizadores de Moreno, Sastre, Bovet e Leal (2000) introduzem a possibilidade de entender a aprendizagem como uma junção de fatores cognitivos, sociais, emocionais, frutos da experiência de vida de
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cada indivíduo. Esta visão está em consonância com as teorias da complexidade de Morin (1997) e da autopoiese de Maturana e Varela (1995; 1997), que acreditam não ser a cognição a única estrutura responsável pela construção de conhecimento. Como afirma Moraes, “a cognição – o processo de conhecer – é muito mais amplo do que a concepção do pensar, raciocinar e medir, pois envolve a percepção, a emoção, e a ação, tudo que constitui o processo de vida.” (Moraes, 2002, p 4).
Um ambiente de aprendizagem, no qual todos (alunos e professor) tenham consciência de como aprendem, reflitam e conversem sobre suas próprias preferências de aprendizagem, observem quais fatores podem interferir positiva ou negativamente, certamente propiciará mais oportunidades de desenvolvimento de estratégias que auxiliarão a todos os envolvidos tornarem-se aprendizes mais capazes de lidar com as diferenças individuais e com as variadas situações de aprendizagem na escola e na vida, como mostrou o estudo realizado por Cavellucci (2003), realizado com trabalhadores de uma empresa.
QUESTÕES:
1) Procure identificar alguma coisa que você sabe fazer bem. Pode ser algo não relacionado com a sua atividade de educador, como saber cozinhar, tocar um instrumento musical, pescar, bordar etc.
2) Identifique como esta habilidade foi aprendida. Se você aprendeu sozinho, tentando e corrigindo; se foi vendo alguém e depois tentando repetir o que viu; se alguém o ajudou acompanhando etc.
3) Identifique as formas como você se certifica de que esta habilidade é feita com uma certa competência. Em outras palavras, como você sabe que é bom e faz as coisas bem feitas?
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4) Procure trocar idéias com outros colegas que fizeram o mesmo exercício, notando a diversidade de interesses, de maneiras de aprender e até de lidar com as dificuldades que vão surgindo.
5) De que forma suas preferências se manifestam em situações formais de aprendizagem, como em um curso ou em seu trabalho?
6) No seu trabalho, você pode notar estas diferenças na maneira como as pessoas fazem as coisas e como lidam com a informação? Dê alguns exemplos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cavellucci, L. (2003). Estudo de um ambiente de aprendizagem baseado em mídia digital: uma experiência na empresa. Dissertação de Mestrado em Multimeios, Campinas: Instituto de Artes da Unicamp.
Felder, R. (2002). Home Page. Disponível em: www2.ncsu.edu/unity/lockers/users/f/felder/public/RMF.html
Maturana, H. & Varela, F. (1997). De Máquinas a Seres Vivos. Porto Alegre: Artes Médicas.
Maturana, H. & Varela, F. (1995). A Árvore do Conhecimento. Campinas, SP: Editora Psy.
Moraes, M.C. (2002). Aprendizagem e Vida. Artigo não publicado.
Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M. & Leal, A. (2000). Conhecimento e Mudança – os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Editora Moderna e Editora da Unicamp.
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Morin, E. (1997). O Método – a natureza da Natureza. Portugal: Publicações Europa-América.
Myers, I. B. & Briggs, K. C. (2002). Myers-Briggs Type Indicator. Disponível no Brasil em: www.rightbrasil.com.br/mbti.htm. (Distribuidor oficial). Riding, R. & Cheema, I. (1991). Cognitive Style Analysis. Learning and Training Technology, Birmingham, UK.
Riding, R. & Rayner, S. (1998). Cognitive Styles and Learning Strategies – Understanding style differences in learning and behavior. London, UK: David Fulton Publisher.
Valente, J.A. (2002). A Espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando conceitos. Em Maria Cristina Joly (Ed.) Tecnologia no Ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, p. 15-37.
Vincent, J. (2003). Individual differences, technology and the teacher of the future. Em A. McDougall, J.S. Murnane, C. Stacey e C. Dowling (Ed.) ICT and the teacher of the Future – Selected Papers from the International Federation for Information Processing Working Group #.1 and 3.3 Working Conference. Melbourne, Austrália, Janeiro de 2003.
Este texto faz parte da Biblioteca do curso Gestão Escolar e Tecnologias.
CAVELLUCCI, L e VALENTE, J. Preferências de Aprendizagem: Enriquecendo o aprender na escola, PUC-SP, 2004.


Como combinado ficam aqui registrados os textos sugeridos em HTPC- Coordenadora Alba Valéria


Cadernos de Educação | FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [31]: 115 - 131, julho/dezembro 2008


Resolução de
conflitos e assembleias escolares
Ulisses F. Araújo


Resumo
Este artigo busca apontar como as Assembleias Escolares, entendidas como espaços de diálogo, podem constituir-se em importante estratégia para o trabalho com resolução de conflitos dentro da escola, além de contribuírem para a construção de valores de democracia e de cidadania por parte dos membros que dela participam. Buscando apresentar três diferentes tipos de assembleias e como podem ser implementados no dia a dia das instituições escolares, cada uma com seus objetivos específicos mas que se complementam. Por fim, trazemos resultados de pesquisas que indicam como o trabalho com as assembleias, ao promover o desenvolvimento das capacidades dialógicas e os valores de não-violência, respeito, justiça, democracia e solidariedade, auxiliam na transformação das relações interpessoais no âmbito escolar e na formação ética e psíquica dos estudantes.

Palavras-chave: democracia escolar; assembleias escolares; resolução de conflitos.


Conflict resolution and school assemblies.
Abstract
This paper shows how school assemblies, which are understood as dialogic spaces, can constitute an important strategy to work on conflict resolution in schools. Besides, they can help students, teachers and other members of the staff construct values in democracy and citizenship. I have presented three different types of assemblies, with specific objectives that complement each other, and how they can be implemented in schools. Finally, I have reported some research results which show how work on school assemblies can promote the development of dialogic capacities and values of non-violence, respect, justice, democracy, and solidarity, thus triggering changes in interpersonal relations in schools and in the students’ ethical and psychic education.

Key words: school democracy; school assembly; conflict resolution.


O conflito é parte natural de nossas vidas e apenas isto já seria suficiente para considerá-lo como importante tema de estudo. De fato, todas as teorias interacionistas em filosofia, psicologia e educação estão alicerçadas no pressuposto de que nos constituímos e somos constituídos a partir da relação direta ou mediada com o outro, seja ela de natureza subjetiva ou objetiva. Nessa relação, nos deparamos com as diferenças e semelhanças que nos obrigam a comparar, descobrir, ressignificar,compreender, agir, buscar alternativas e refletir sobre nós mesmos e sobre os demais. O conflito torna-se, portanto, a matéria prima para nossa constituição psíquica, cognitiva, afetiva, ideológica e social.
Os educadores conscientes de tal fato, em vez de condená-los e reprimi-los, deveriam mudar a perspectiva de seus olhares e práticas e buscar compreendê-los como um conteúdo essencial para a formação psicológica e social dos seres humanos, e encarar o desafio de introduzir o trabalho sistematizado com conflitos do dia a dia das salas de aula. Em vez de assumirem posturas de eterna conciliação e anulação das diferenças de valores, interesses, preferências e gostos de seus alunos e alunas, que geralmente têm como substrato a tentativa de homogeneização dos seres humanos, poderiam incorporar os conflitos cotidianos como o material de onde se produziriam textos, se desenvolveriam projetos de pesquisa e se construiriam os momentos de diálogo na escola.
O que justifica tal preocupação? Como nos lembram Genoveva Sastre e Montserrat Moreno no livro "Resolução de conflitos e aprendizagem emocional":

Não fomos preparados para compartilhar nem para resolver com agilidade e de forma não-violenta os problemas que iam surgindo em nossas relações pessoais. Não desenvolvemos a sensibilidade necessária para saber interpretar a linguagem de nossos sentimentos. Nossa razão não foi exercitada na resolução de conflitos e tampouco dispúnhamos de um repertório de atitudes e comportamentos práticos que nos permitissem sair dignamente de uma situação. Em síntese, nossa formação nos mais coisas do mundo exterior que de nossa própria intimidade, conhecemos mais os objetos que as pessoas do nosso convívio (2002, p.19)

A escola que conhecemos tem seu grau de responsabilidade nesse processo de formação que ignora a importância das relações interpessoais e dos conflitos para a formação integral dos seres humanos. Um currículo baseado apenas no mundo externo e limitações espaço-temporais, que justificam as dificuldades que se impõem ao trabalho com as relações humanas, faz com que os sistemas educacionais não cumpram com um importante papel que lhes é atribuído pela sociedade: a formação de cidadãos e cidadãs autônomos(as) que sociais.
A educação baseada em propostas de resolução de conflitos que buscam melhorar o convívio social e criar bases para a construção de sociedades e culturas mais democráticas e sensíveis à ética nas relações humanas. No entanto, a maioria das experiências atuais baseiam-se em modelos tradicionais que utilizam arbitragens, mediações, negociações e terapias (SCHNITMAN, 2000). Em geral, atuam sobre objetivos específicos e práticos e pautam-se em pressupostos dicotômicos de ganhar e perder nas resoluções.
Mas, como nos mostra essa autora, surgem novos paradigmas em resolução de conflitos que, baseando-se na comunicação e em práticas discursivas e simbólicas, promovem diálogos transformativos. Tais propostas não adotam o pressuposto de que em um conflito há sempre ganhadores e perdedores e sim que é possível a construção do interesse comum, em que todos os envolvidos ganhem conjuntamente, com uma co-participação responsável. Elas permitem aumentar a compreensão, o respeito, e construir ações coordenadas que considerem as diferenças, incrementam o diálogo e a participação coletiva em decisões e acordos participativos. Por fim, acreditam na importância do protagonismo das pessoas ao enfrentar os conflitos em suas vidas e entendem que tal processo deve enfocar não apenas as emoções, intenções e crenças dos participantes, mas também os domínios simbólicos, narrativos e dialógicos como o meio pelo qual se constroem e se transformam significados e práticas, permitindo o aparecimento de identidades, mundos sociais e novas formas de relações.
Programas educativos que assumam a perspectiva de trabalhar os conflitos e os problemas humanos como um elemento essencial de sua organização curricular podem, de acordo com Sastre e Moreno:

Formar os(as) alunos(as), desenvolver sua personalidade, fazêlos (as) conscientes de suas ações e das consequências que acarretam, conseguir que aprendam a conhecer melhor a si mesmos(as) e às demais pessoas, fomentar a cooperação, a autoconfiança e a confiança em suas companheiras e seus companheiros, com base no conhecimento da forma de agir de cada pessoa, e a beneficiar-se das consequências que estes conhecimentos lhes proporcionam. A realização destes objetivos leva a formas de convivência mais satisfatórias e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, qualidade de vida que não se baseia no consumo, e sim em gerir adequadamente os recursos mentais... intelectuais e emocionais – para alcançar uma convivência humana muito mais satisfatória. (2002, p.58).

O trabalho com assembleias escolares complementa a perspectiva que acabamos de discutir de novos paradigmas em resolução de conflitos, pois permite, em sua prática, partindo do conhecimento psicológico de si mesmo e das outras pessoas sobre o que é preciso para resolver os conflitos, que se chegue ao conhecimento dos valores e princípios éticos que devem fundamentar o coletivo da classe. Ao mesmo tempo, evidente, permite a construção psicológica, social, cultural e moral do próprio sujeito, em um movimento dialético em que o coletivo transforma e constitui cada um de nós, que, por nossa vez, transformamos e ajudamos na constituição dos espaços e relações coletivas.


As assembleias escolares

Inicio este tópico apresentando alguns pressupostos essenciais sobre os quais podemos assentar as bases das assembleias escolares, bem como sua relevância para a construção de importantes aspectos da vida coletiva e pessoal de cada um e de todos os seres humanos: a democracia escolar e social; o protagonismo e a participação social; os valores morais e éticos; o entendimento sobre como estratégias de resolução de conflitos podem contribuir para a formação ética e psíquica das pessoas, e para a transformação das relações interpessoais no âmbito escolar.
Mas o que são assembleias escolares? As assembleias são o momento institucional da palavra e do diálogo. O momento em que o coletivo se reúne para refletir, tomar consciência de si mesmo e transformar tudo aquilo que os seus membros consideram oportuno. É um momento organizado para que alunos e alunas, professores e professoras possam falar das questões que lhes pareçam pertinentes para melhorar o trabalho e a convivência escolar (PUIG, 2000).
Além de ser um espaço para a elaboração e reelaboração constante das regras que regulam a convivência escolar, as assembleias propiciam momentos para o diálogo, a negociação e o encaminhamento de soluções dos conflitos cotidianos. Dessa maneira, contribuem para a construção de capacidades psicomorais essenciais ao processo de construção de valores e atitudes éticas.
Em uma outra perspectiva, com esse tipo de trabalho, professores também têm a oportunidade de conhecer melhor seus alunos e suas alunas em facetas que não são possíveis no dia a dia da sala de aula. Temas como disciplina e indisciplina deixam de ser de responsabilidade somente da autoridade docente e passam a ser compartilhados por todo o grupo-classe, responsável pela elaboração das regras e pela cobrança de seu respeito. Enfim, o espaço das assembleias propicia uma mudança radical na forma como as relações interpessoais são estabelecidas dentro da escola e, se devidamente coordenado com relações de respeito mútuo, permite verdadeiramente a construção de um ambiente escolar dialógico e democrático.
Tais objetivos são possíveis de ser atingidos quando as assembleias  são institucionalizadas nos centros educativos, com periodicidades e espaços determinados para esse fim, permitindo que se dedique uma pequena parte do tempo para que as pessoas passem na escola para encontros em que possam dialogar sobre os conflitos e aspectos positivos relacionados ao seu convívio.
Diferentemente de outros modelos de resolução de conflitos, as assembleias não buscam mediá-los no pressuposto de que existe o certo e o errado e que deve haver uma pessoa munida de autoridade institucional com responsabilidade para julgar e decidir sobre problemas, estabelecer recompensas e sanções ou mesmo de obrigar as partes envolvidas a chegarem a um consenso. Essa concepção abre espaço, muitas vezes, para posturas arbitrárias, injustas e autoritárias, que promovem decisões a partir dos valores e crenças de uma pessoa com autoridade legitimada pela sociedade.
O modelo das assembleias é o da democracia participativa que tenta trazer para o espaço coletivo a reflexão sobre os fatos cotidianos, incentivando o protagonismo das pessoas e a co-participação do grupo na busca de encaminhamentos para os temas abordados, respeitando e naturalizando as diferenças inerentes aos valores, crenças e desejos de todos os membros que dela participam. Com isso, nem sempre o objetivo é de se obter consenso e acordo, e sim, o de explicitar as diferenças, defender posturas e ideias muitas vezes opostas e mesmo assim levar as pessoas a conviver num mesmo espaço coletivo.
Dentre outras coisas, o que se tenta com essa forma de se trabalhar os conflitos é reconhecer e articular os princípios de igualdade e de eqüidade nas relações interpessoais presentes nos espaços de convivência humana, o que nos remete à construção da democracia e da justiça. Como isso se opera? Em um espaço de assembleia, ao se dialogar sobre um conflito é garantido a todos os membros que dela participam a igualdade de direitos de expressar seus pensamentos, desejos e formas de ação, ao mesmo tempo que é garantido a cada um de seus membros o direito à diferença de pensamentos, desejos e formas de ação.
Pelo diálogo, mediado pelo grupo, na assembleia, as alternativas de solução ou de enfrentamento de um problema são compartilhadas e as diferenças vão sendo explicitadas e trabalhadas pelo grupo regularmente, durante um longo processo de tempo.
Tudo isso contribui para que na constituição psíquica dos valores que as pessoas constroem ao participar de espaços coletivos de diálogo, se privilegiem formas abertas de compreender o mundo e a complexidade dos fenômenos humanos, e não fechadas em certezas e verdades que assumem caminhos únicos e dogmáticos. Entendemos que pessoas com tais habilidades cognitivas, afetivas e sociais terão maior possibilidade de agir eticamente no mundo, ao perceberem com naturalidade as diferenças em nossas formas de agir e de pensar.
A escola e a sala de aula são espaços privilegiados para que um trabalho de formação como esse se opere. Afinal, constituem-se em espaço público, hoje obrigatório, onde as pessoas têm de conviver durante boa parte de seu dia com valores, crenças, desejos, histórias e culturas diferentes. Ao invés de tentar homogeneizá-las e eliminar as diferenças e os conflitos, podemos usar a instituição escolar para promover o desenvolvimento das capacidades dialógicas e os valores de não-violência, respeito, justiça, democracia, solidariedade e muitos outros. Mais importante ainda, não de forma teórica e sim na prática cotidiana a partir dos conflitos diários.


Como implementar e desenvolver as assembleias escolares

Introduzir o trabalho com assembleias em uma escola é um processo complexo que pressupõe desejos políticos e pessoais de considerável envergadura, devido às mudanças que provoca em todos os âmbitos do cotidiano escolar, principalmente, no que se refere às múltiplas instâncias de relações de poder, instituídas nos centros educativos. Por isso, as pessoas envolvidas com esse processo devem estar conscientes de seus possíveis significados e consequências, atentas aos movimentos que se produzem no âmbito das relações interpessoais, e firmes em seus princípios e metas.
Neste sentido, uma boa base de conhecimentos teóricos sobre os pressupostos das assembleias escolares, resolução de conflitos e o conhecimento de aspectos metodológicos que auxiliem na construção de práticas justas e democráticas podem contribuir para que as pessoas que compõem o coletivo escolar se envolvam com essa experiência.
Isso é importante porque não existe uma única maneira de se operacionalizar as assembleias escolares. Pelo contrário, nos últimos cem anos muitas experiências já foram desenvolvidas em todo o mundo, o que faz com que essa proposta não seja uma novidade que tem a expectativa de revolucionar os caminhos educativos.
O que temos evidenciado é que o trabalho com assembleias se insere na perspectiva de vida daqueles homens e mulheres que lutam para a construção de sociedades mais justas e felizes e que, para isso, contrariam interesses sociais, pessoais, ideológicos e culturais poderosos, defendidos por sistemas autoritários de poder nas relações sociais e interpessoais. Assim, a “novidade” do que apresentaremos está mais na forma com que vimos construindo uma prática de assembleias coerente com a realidade do sistema educacional brasileiro do que nos princípios que tal trabalho assume.
Para aqueles interessados em conhecer formas diferentes de se trabalhar as assembleias no âmbito escolar, vale a pena ler as obras de A.S. Neil sobre a Escola Summerhill, criada por esse educador na Inglaterra dos anos 20 e que segue funcionando até os dias atuais. Complementando, ver os livros de Celestin Freinet e a experiência das inúmeras escolas freinetianas no Brasil, ou os relatos sobre a Escola da Ponte, em Portugal. Apesar de não conhecer pessoalmente, tenho ouvido e lido relatos sobre o Colégio Lumiar e seu trabalho com assembleias, e acompanhei a implementação das assembleias na Escola da Vila, ambos no município de São Paulo. Cada uma dessas experiências tem seu próprio modelo de trabalhar o diálogo e a democracia no âmbito escolar e, mesmo que sendo diferentes entre si, em minha opinião, buscam o mesmo objetivo educativo: formar cidadãs e cidadãos críticos, autônomos, conscientes de seu papel político e social na construção de uma vida mais justa e feliz para cada um e para todos os membros da sociedade em que vivem.


Diferentes tipos de assembleias escolares

Compreendendo as necessidades cotidianas de democratização das relações escolares, e o papel das assembleias no trabalho educativo, senti necessidade de organizá-las em três níveis distintos: nas salas de aula; na escola; e para os profissionais que atuam no espaço da escola. Dessa forma, em cada instituição podem ocorrer três tipos diferentes de assembleias simultaneamente, cada uma com seus objetivos específicos.
O que chamo de assembleias escolares está composto por assembleias de classe; assembleias de escola; e assembleias docentes, como veremos sinteticamente a seguir. Faço a ressalva, no entanto, de que algumas experiências de assembleias começam a ser empregadas em programas que visam levar famílias e comunidades a se aproximar da escola e de seu projeto educativo, mas não tenho dados que permitam sua sistematização neste espaço e, por isso, não as apresento.


Assembleias de classe

As assembleias de classe tratam de temáticas envolvendo o espaço específico de cada sala de aula. Dela participam um docente e todos os estudantes da turma. Seu objetivo é regular e regulamentar a convivência e as relações interpessoais no âmbito de cada classe, através de encontros semanais de uma hora, e serve como espaço de diálogo na resolução dos conflitos cotidianos.

Assembleias de escola

A responsabilidade da assembleia de escola é regular e regulamentar as relações interpessoais e a convivência no âmbito dos espaços coletivos. Contando com a participação de representantes de todos os segmentos da comunidade escolar, busca discutir assuntos relativos a horários (chegada, saída, recreio); espaço físico (limpeza, organização), alimentação e relações interpessoais. De seu temário devem constar aqueles assuntos que extrapolam o âmbito de cada classe específica.
Os representantes dos diversos segmentos (por exemplo, dois de cada classe, quatro docentes e quatro funcionários) são escolhidos, obedecendo a uma sistemática de rodízio, de forma que no transcorrer do tempo, todos os membros poderão experienciar a participação no processo de tomada de decisões coletiva. Sua periodicidade deve ser mensal, e será coordenada por algum membro da direção da escola.

Assembleias docentes

A responsabilidade da assembleia docente é regular e regulamentar temáticas relacionadas ao convívio entre docentes e entre esses e a direção, ao projeto político-pedagógico da instituição, a conteúdos que envolvam a vida funcional e administrativa da escola. Dela participam todo o corpo docente, a direção da escola e, quando possível, algum representante das secretarias de educação ou da mantenedora.

Quando instituídas na escola, essas três formas de assembleias se complementam em processos contínuos de retroalimentação que ajudam na construção de uma nova realidade educativa. Pode-se atingir a dupla finalidade de promover a participação das pessoas nos espaços de decisão e de democratizar a convivência coletiva e as relações interpessoais, fortalecendo a democracia participativa.
De outra maneira, a experiência de exercer distintos papéis nas assembleias, dependendo se é de classe, de escola ou docente, permite que os sujeitos possam compreendê-las em suas diferentes dimensões e funções. Um professor, que atua como coordenador de assembleia de classe um dia, no seguinte pode estar no papel de membro regular de uma assembleia docente, para depois estar no papel de representante de seus pares na assembleia de escola. Com isso, tem melhores condições de saber como se sente um aluno quando exerce a função de representante, ou como uma aluna deve se comportar quando tem que discutir um tema que afeta a coletividade numa assembleia de classe, ou ainda de entender as responsabilidades de quem está na coordenação de uma assembleia.
É esse movimento contínuo que caracteriza o que acabei de chamar de processo de retroalimentação e que permite enriquecer esse tipo de experiência no âmbito de cada instituição. O fato de podermos exercer papéis sociais distintos daqueles a que estamos acostumados ajuda no processo de descentração pessoal e cognitiva, tão importante para os processos de construção da ética nas relações interpessoais. Com isso, podemos afirmar que a implementação das assembleias escolares, nos três níveis propostos, tem dentre seus objetivos não só a formação de alunos e de alunas, mas também dos adultos que participam do espaço escolar.


Alguns resultados...
Os dados que trarei são resultado de duas pesquisas distintas, que tinham objetivos mais amplos, mas que contemplaram avaliar também o impacto das assembleias em duas escolas de cidades do interior de São Paulo, sendo uma pública e a outra privada. São pesquisas realizadas em diferentes momentos, mas que se complementam pelo objetivo comum.
A primeira delas desenvolveu-se entre os anos de 1999 e 2001 em uma escola da rede pública. A segunda pesquisa traz dados sobre as assembleias desenvolvidas entre 2001 e 2003 na Escola Comunitária de Campinas.
Em comum, a opinião positiva de docentes e estudantes sobre a relevância das assembleias para a construção de novas formas de relação e de resolução de conflitos na escola. Ao mesmo tempo, trarei também relatos negativos, tentando mostrar que esse tipo de trabalho é conflituoso e não está isento de críticas. Como entendo o conflito como  algo natural e positivo, creio que mostrá-los contribui para que alcancemos os objetivos propostos neste artigo.
Darei, então, voz aos próprios sujeitos dessas mudanças. No caso dos relatos da escola pública suas autoras estão identificadas, pois foi retirado de relatório que entregaram como parte da pesquisa. No caso dos relatos das professoras da escola privada estão anônimos, pois foi nessa condição que responderam ao questionamento da pesquisa.
Vejamos alguns relatos que falam das dificuldades na implantação, da insegurança docente, mas confirmam a aposta no processo.

“No início do ano passado percebia que a assembleia era um momento onde os alunos queriam contar os casos pessoais, acusar o colega e detalhar minuciosamente o ocorrido. Não acontecia a reflexão. A participação era infantilizada, pensavam no caso isoladamente, em benefício próprio. Estava decepcionada com a participação dos alunos e alunas.... Aos poucos os alunos passaram a ter uma participação mais adequada. Ainda estamos em processo, pois as regras levantadas nem sempre são cumpridas, a pauta ainda é extensa. Porém, a postura dos alunos(as), a seriedade e a maneira como perceberam que a assembleia não é um encontro para casos pessoais, mudou muito”.

“Para mim, o trabalho inicial com assembleia na primeira série é sempre difícil e, a todo o momento, sinto a necessidade de reafirmar, para mim mesma, as razões e os princípios deste trabalho, para mantê-lo acontecendo frequentemente. Nesse movimento que faço comigo mesma, tem sido importante estabelecer pequenas metas para evitar frustrações que poriam em risco o próprio trabalho. Por exemplo: a) aprender a usar a pauta; b) aprender a se identificar com a dificuldade discutida; c) aprender a buscar caminhos; d) posteriormente evoluir nessas buscas".

Vejamos agora alguns relatos que avaliam os avanços observados nas relações entre seus alunos e alunas e o processo como um todo. No caso da Professora Kátia Cilene Souza, de primeira série, o principal avanço refere-se ao diálogo.

"No tocante ao diálogo este foi se aprimorando a cada assembleia realizada, às vezes acontecia de um falar junto com o outro mas aos poucos foram aprendendo a ouvir os colegas... Percebi que eles começam a entender o sentido do diálogo. Não foi fácil mudar esse tipo de atitude, mas agora já resolvem a maioria dos problemas sem falar em punições. Também falavam muito em levar para a diretoria ou chamar os pais. Hoje essa atitude mudou bastante. Raramente falam em levar para a diretoria ou de chamar os pais. Isso deve-se ao fato de questioná-los sobre de quem era o problema: era da diretora? Era dos pais que estavam no trabalho? Eles refletiam e decidiam de outra forma".
Na mesma linha de raciocínio, outros relatos:
“O espaço democrático da assembleia tem sido muito importante e valorizado pelos alunos (as) desta classe. No início do ano, muitas situações de conflito entre os alunos ocorriam de forma velada, sob ameaça..., inclusive alguns ameaçavam outros se alguma situação que eles estivessem envolvidos, fosse colocada em pauta de assembleia, Após várias discussões em assembleia, alguns foram revelando tais situações e pudemos conversar sobre elas e estabelecer combinados... O foco de nossas assembleias durante todo o ano foi: expressar o que incomoda, ouvir diferentes posicionamentos, discutir um tema coletivamente, definir regras de convivência, reforçar e repensar valores, bem como destacar as atitudes adequadas do grupo e de cada um, Valorizar os avanços do grupo em direção a posturas cada vez mais éticas, sem desprezar a diferença que há no modo de ser, pensar e se expressar de cada ser humano”.
No relatório da professora Adriana Comin Franguelli:
"Os alunos adoram as assembleias, a cada assembleia realizada eles me surpreendem com as atitudes, recordo bem de um fato: - as meninas começaram a reclamar dos meninos passarem a mão no bumbum delas, na verdade era apenas um menino e como nas assembleias tratamos do assunto e não de quem cometeu o ato, o autor do ato quis falar como se nada tivesse haver com ele. Em uma assembleia posterior, o assunto estava em pauta novamente, pois esse aluno continuava passando a mão nas meninas, porém, dessa vez, o seu comportamento em relação ao fato foi bem diferente, não abriu a boca durante toda a discussão, após essa assembleia não tivemos mais esse problema...".
"No início do ano a turma não conseguia conversar, os alunos gritavam demais na sala, se agrediam fisicamente, enfim não havia respeito entre eles, hoje por mais que ainda existam conflitos as crianças conseguem se entender, as agressões físicas raramente acontecem, todos colaboram entre si, se tornaram mais autônomos, muita coisa boa passou acontecer após a realização das assembleias....".
Vejamos alguns relatos positivos e negativos de crianças que participaram de assembleias, nas duas escolas:
"Antes, quando não tinha as assembleias na classe, tinha muita violência, eles xingavam, batiam e até ameaçavam se a gente não entregasse o nosso lanche no recreio".
"Na 3ª série F, antes das assembleias, quando as crianças tinham um probleminha como brigas, empurra-empurra, jogar água nos outros e etc... iam correndo contar para a professora ou para a mãe e a mãe ia conversar com o aluno ou com a professora que não tinha nada com isso".
"Agora nossa classe está melhorando muito, tem poucas brigas e mais respeito".
"Agora, quando as crianças têm algum problema, escrevem nos cartazes e no dia da assembleia, todos podem falar e dar soluções para os problemas, até conseguem resolver alguns e não fica bom só para um, fica bom pra todos".
“Acho que as assembleias melhoraram muito os problemas que temos, porque quando colocamos no papel, todo mundo leva a sério e procuramos resolver o problema”.
“Achei as assembleias deste ano bem legais. Mesmo quando eu tinha vergonha de falar, porque achava que todos iam rir de mim. Agora estou conseguindo me soltar mais”.
“Com as assembleias consegui perceber em que preciso melhorar, me “toquei” de muitas coisas que faço e incomodam as pessoas”.
“Com a assembleia, temos um compromisso maior com o grupo. É muito bom falar o que sentimos, coisas legais ou não”.
“Eu achei que no começo do ano as pessoas colocavam como crítica aquelas coisas bobas como: “Ai, uma menina me chamou de chata”, “um menino esbarrou na minha carteira e derrubou meu estojo e não pegou”. E como felicitação, colocavam: “Ontem eu fiz uma amiga nova”, “eu joguei queimada legal”. Mas agora, no meio do ano, todo mundo está colocando críticas mais sérias, que tem a ver com a classe toda. Todo mundo dá a sua opinião e resolvemos muitos problemas. Nem todas as escolas têm essa chance de discutir nossos problemas”.
“A discussão da assembleia eu me sinto estressado porque eu sempre quero resolver as críticas e fazer as regras”.
“Na discussão da assembleia eu me sinto cansado porque demora muito”.
“Eu achei que esse ano os itens da pauta se repetiram muitas vezes porque não eram resolvidos rapidamente, mas a maioria era resolvida”.

Acredito que os relatos acima ilustram bem o tipo de transformações que foram acontecendo nas relações entre os membros dessas duas escolas a partir da implementação das assembleias de classe. O diálogo, a autonomia e o respeito mútuo passaram a predominar nessas classes, refletindo de maneira positiva na sua democratização e na construção de valores dessas pessoas. Alunos e alunas passaram a buscar formas mais dialógicas para a resolução dos conflitos cotidianos. Assim, embora o tema da violência perpassasse o discurso das crianças, ficou evidente como foram percebendo a assembleia como uma forma de resolução de seus conflitos, alternativa às saídas violentas e agressivas.
Apresentarei, também, relatos docentes sobre as assembleias docentes e de escola, coletados no final de 2000 na escola pública em que trabalhamos. Tais questionários foram respondidos anonimamente, pois queríamos que as professoras tivessem maior liberdade de expressar suas ideias e sentimentos. Vejamos alguns dos depoimentos encontrados sobre as relações entre professores, direção e funcionários a partir das assembleias docentes:

“Muito bom, houve uma integração de amizade, solidariedade e principalmente respeito, mesmo nos momentos em que algumas opiniões eram contrárias”.
“Nessas relações houve mais união, pois, existe muita troca de ideias e ajuda. A direção está mais perto dos professores, ajudando e colaborando para realização de tudo o que se faz na escola”.
“A equipe ficou mais forte, percebemos que a ‘união faz a força’, quando precisamos lutar para alcançar algo nos unimos e brigamos pelo que é realmente democrático”.
“Ocorreu uma aproximação entre professores, um atrativo para troca de experiências, poucos professores se fecharam, esconderam seus trabalhos, existindo muito respeito na relação”.
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“O projeto aproximou mais as pessoas dessa escola. Hoje somos um grande grupo, com liberdade de realizar, participar, questionar e nos ajudar”.
“Hoje me sinto mais à vontade para me relacionar com professores, direção e funcionários. Antes eu quase sempre ficava calada, agora não consigo mais, quando sinto vontade falo seja o que for. Sinto também prazer em ajudar as outras professoras, quando ao procurar material para o meu projeto e encontro para o projeto delas. E elas também estão sempre à disposição para me ajudar”.

Gostaria, também, de destacar alguns encaminhamentos decorrentes das assembleias de escola dessa comunidade:
1) Mudança no horário de funcionamento da escola: os alunos reivindicaram aumento no tempo do recreio, pois os 20 minutos não eram suficientes para entrar na fila da merenda, comer, ir ao banheiro e ainda brincar um pouco. Isso os levava a voltar para a sala de aula e depois começarem a sair para ir ao banheiro (queixa de professores e funcionários da limpeza). A solução acordada entre todos foi ampliar o tempo de recreio em 10 minutos e antecipar em 5 minutos a entrada e em 5 minutos a saída da escola.
2) Reforma dos banheiros e cobertura da quadra: na primeira assembleia, esses assuntos foram trazidos por quase todas as classes. A reclamação era geral de que os banheiros cheiravam mal e de que a falta de cobertura da quadra prejudicava as aulas de educação física e as brincadeiras por causa do sol quente. Nesse dia, tirou-se a decisão de que fariam um documento e levariam ao prefeito da cidade. Coordenado pelos professores e direção, foi feito o documento e agendou-se uma reunião com o prefeito que recebeu todos os representantes de classe na prefeitura. O resultado concreto foi de que em julho os banheiros foram reformados e em agosto abriu-se licitação para a cobertura da quadra que foi executada antes do final do ano letivo.
3) Alimentação: Apareciam muitas reclamações sobre a qualidade da merenda escolar, fornecida pela prefeitura. Organizou-se uma visita dos representantes à cozinha-piloto do município e algumas alterações no cardápio foram feitas a partir das reivindicações.
Por fim, gostaria de apresentar os resultados encontrados em uma pesquisa junto aos estudantes da Escola Comunitária de Campinas, comparando as representações que aquelas crianças tinham sobre resolução de conflitos escolares cotidianos com as representações de crianças de outras duas escolas: a) uma escola privada, católica, localizada no município de São Paulo; b) Uma escola pública, localizada na cidade de Três Corações, em Minas Gerais.
A pesquisa foi feita com 268 crianças, de 7 a 10 anos de idade. O instrumento consistia de uma “tirinha” contendo um desenho de duas crianças brigando. Perguntava-se tanto como representavam as causas para aquela situação, como as soluções para se resolvê-la. Nesse caso, queríamos perceber até que ponto o trabalho com as assembleias se refletia na forma como as crianças pensavam ser a melhor maneira de resolver conflitos cotidianos nas escolas, como é o caso das brigas que envolvem agressão física. Tínhamos a expectativa de que as crianças da Escola Comunitária de Campinas apresentassem maior tendência a buscar saídas dialógicas para os conflitos, em vez de soluções violentas ou “mágicas”.
No tocante à categorização dos dados, decidimos não avaliar as causas e centrar nossa atenção na solução que apresentavam ao conflito, por ser nosso objetivo principal. Optamos por duas categorias de análise: a) Respostas dialógicas, em que o sujeito apontava uma solução de diálogo e conversa para resolver o problema da briga, refletindo a experiência das assembleias; b) Respostas não-dialógicas, quando apontavam soluções envolvendo mais violência ou em que o melhor caminho era chamar um adulto para separar e dar lição de moral para as crianças que estavam brigando.
A tirinha apresentada era a seguinte:

Os resultados encontrados foram os seguintes:

Tabela 1 - Resolução de Conflitos e Assembleias Escolares


ESCOLA
SEXO
SOLUÇÃO
TOTAL


DIALÓGO
NÃO-DIALÓGO



NUM
PORC
NUM
PORC

Comunitária
MASC
10

35

45
(Campinas)
FEMIN
24

21

45

TOTAL
34
38%
56
62%
90
Privada
MASC
10

28

38
(SP)
FEMIN
11

39

50

TOTAL
21
24%
67
76%
88
Pública
MASC
7

37

44
(Três Corações)
FEMIN
9

37

46

TOTAL
16
18%
74
82%
90
Totais

71
25%
197
74%
268
Nota-se que as crianças da Escola Comunitária de Campinas, apresentaram maior tendência em apontar soluções dialógicas para um conflito envolvendo violência física no interior da escola. Chama nossa atenção que uma minoria absoluta das crianças da escola pública participante do estudo (18%) apresenta caminhos de diálogo na hora de resolver conflitos interpessoais.
Embora os dados coletados não permitam interpretações conclusivas, podemos entender que o trabalho com as assembleias, ao promover o desenvolvimento das capacidades dialógicas e os valores de não-violência, respeito, justiça, democracia e solidariedade, auxiliam na transformação das relações interpessoais no âmbito escolar e na formação ética e psíquica dos estudantes.


Referências

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Ulisses F. Araújo, Professor Livre-docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidade da Universidade de São Paulo (USP Leste).
E-mail: uliarau@usp.br.
Submetido em: junho de 2006 | Aceito em: dezembro de 2007




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